Orwell mostra os perigos da concessão de poderes totalitários para pequenos grupos
No famoso livro 1984, George Orwell mostrou a vida da população em meio a um regime centralizado, autoritário e controlador. O governo, para se mostrar necessário e competente, emitia informações e estatísticas falsas sobre a produção de alimentos. O país parecia viver sempre na prosperidade, enquanto na prática os seus cidadãos sofriam privações. Havia a ameça de inimigos externos, sempre prontos a atacar, portanto, justificava-se maior rigor do Estado sobre a população. Essas características, tão marcantes em 1984, também estão presentes na obra A revolução dos bichos.
Enquanto 1984 se inicia no regime autoritário, A revolução dos bichos mostra um dos caminhos pelos quais podemos chegar a ele: oprimidos se tornam opressores. Conforme a tomada de poder pelos bichos se desdobra em leis e regras para serem respeitadas, almejando a formação de uma uma sociedade igualitária, ao mesmo tempo uma parte dos bichos (porcos) se destaca como governo, que se degeneraria em despotismo.
As ferramentas para essa inflexão são variadas, como a fabricação de informações, documentos e estatísticas falsas, a invenção de ameaças iminentes e a criação da imagem de benevolente para o líder da revolução. As disparidades se acentuam com o decorrer da obra, quando a burocracia (porcos) passa a usufruir de privilégios crescentes, enquanto o restante dos animais sofre gradativa exploração (mais trabalho coercivo, menos ração para se alimentar).
Os porcos até tentam justificar os privilégios auto-concedidos, com a emblemática frase de que "Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros". Todavia, o agravamento do antagonismo entre eles não conseguiria mascarar tais disparidades.
Escrito em 1945, como crítica à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em especial sobre Stalin, George Orwell, além de evidenciar promessas e conceitos vazios e as consequências dos mesmos para a população, se esforçou em transmitir a mensagem de que quando as pessoas "endossam métodos totalitários, pode chegar um momento em que deixarão de ser usados a favor para se voltarem contra o indivíduo".
Ao defender esse raciocínio, o autor, embora não tenha afirmado de forma explícita no prefácio, fez referência a um dos principais princípios do liberalismo, o do perigo do excesso de poder para indivíduos. Como seres humanos são imperfeitos, todo poder deveria ser limitado, dado que, apesar de indivíduos qualificados e benevolentes possam o utilizar durante determinado tempo, nada impede que déspotas também o utilizem. A solução seria criar mecanismos institucionais que limitem a possibilidade de exploração entre indivíduos. No caso do sistema político, temos os 3 poderes (executivo, legislativo e judiciário) que se limitam; servem de contra-peso para limitar o poder do outro. Por isso, são harmônicos, não funcionam sem a vigilância do outro. Imagine o cenário no qual o presidente da república concentrasse todos esses poderes. Ele poderia emitir uma lei (legislativo), a qual ele próprio julgaria a sua constitucionalidade (judiciário), terminando em aplicá-la da forma que conviesse (executivo). Sem freios e contra-pesos, temos despotismo.
A revolução dos bichos foi publicada em 1945 e o livro 1984 em 1949. O leitor que se aventurar nessas obras perceberá o nexo que possuem, a perda gradual de liberdade conforme o centralismo político avança. Outra obra que pode ajudar a compreender o surgimento do totalitarismo é A revolta de Atlas, de Ayn Rand, a qual mistura elementos políticos e econômicos para confeccionar o novo regime político. Contemporaneamente vislumbramos crescente apelo por partidos de extrema direita ou esquerda, a ascensão de movimentos nacionalistas (flertando com xenofobismo) e aversão à globalização. Também temos variações desses movimentos propondo formas de governo centralizadas. Dessa forma, essas obras continuam atuais - e necessárias.
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